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(Pó)esia - I

O final do calendário
é apenas a transição
entre a ida e a volta.

As cores que comemoramos
em momentos simbólicos
são absolutas,
ao menos
que não se tenha
o que comemorar.
Pois durante
o passar das datas,
somos nós que decidimos
o que colorir.

E as datas,
coloridas ou não,
chegam, passam
e um dia acabam
indo embora.

HOJE - XVI

Tenho dúvidas
que extrapolam
o meu discernimento.
Algumas estão apenas
pela metade, enquanto
outras
transbordam o alvorecer
dos dias quentes e lentos.

Talvez
não seja necessário
compreensão, pois
o reflexo da incerteza
me atormenta,
e em meu caminhar
tenho dúvida
de onde minhas
pegadas passam
assim como das palavras
que passaram
por cada poesia minha.

HOJE - XV

Não existe redundância
no fato de sentir saudade,
há apenas uma constante
que se repete várias vezes.

Dá pra escrever
diversos versos
que podem se repetir
e também re-partir,
pois a saudade existe
para aqueles que estão perto
mesmo estando longe.

Uma constante
que é redundante
só por apenas existir,
que reduz a distância
para uma lembrança
que ficou
aqui.

HOJE - XIV

Escrevo de forma
que meus versos
escondam o desatino
que existe
em meu pensar.

Canto involuntariamente,
a noite,
um refrão da música
que escutei pela tarde,
e desatinado,
imagino o que escutarei
no dia seguinte.

Tenho amigos
que se parecem comigo,
e assim, apenas sorrimos
uns dos outros,
pois somos de uma forma,
ou de outra,
desatinados.

HOJE - XIII

Não se preocupe
com a poeira que habita
nos livros,
ela foi a consequência
de um futuro
que já passou
e vaga empoeirando
por aí.

Importe-se;
exporte-se;
ou então, como dito,
não se preocupe,
apenas deixe
passar.
Torne-se poeira também.

HOJE - XII

Dentro da noite existe
um interior misterioso
no qual se revela
para aqueles que ficam quietos
observando a lua passar
enquanto
o vento sopra vagarosamente
pelo seus pêlos.

E então,
depois de sentir
tudo aquilo que se passa,
se percebe que
não foi por acaso
e sim por escolher
sentir e ver
a profundidade
noturna.

HOJE - XI

Vejo os rostos cretinos
daqueles que pisam na grama;
daqueles sacrificam o tempo
tentando compreender
os ideais dos poemas alheios;
daqueles sobem as escadas
saltando degraus;
daqueles que desprezam
as manhãs ensolaradas;
daqueles que pedem desculpas
por estar sempre apressado.

Vejo cretinos com novos rostos
que perdem para poder ganhar;
que sangram para viver;
que são cretinos apenas por existir.

HOJE - X

Sinto empatia
por pessoas que
nem mesmo conheço.

Apáticas,
algumas delas,
passam por mim,
talvez até
já tenham se sentado
ao meu lado.

E eu, no entanto,
empático, sorrio discretamente
com o canto da boca
enquanto escuto um jazz
para refrescar os dias
que se passam
discretamente.

HOJE - IX

Gosto de rimar
as palavras, os versos,
os sons, os silêncios,
mas depois desconstruo
para que a sonoridade
fique apenas no meu sotaque.

Gosto de metrificar
cada verso que faço,
sílaba por sílaba,
letra por letra,
as pontuações,
os espaços vazios
e depois, novamente,
desconstruo,
só pro meu prazer,
só por, assim, gozar.

HOJE - VIII

É
simples ser simples,
entender e compreender
os passos que damos,
os espaços que vivemos.

Todos
somos simples,
apenas vivemos
em um emaranhado complexo
dos universos que carregamos
em nosso convívio social.

HOJE - VII

Há quem goste
da melancolia que vemos
nas paisagens do caminho
assim como gosto.

Estando no topo do mundo
ou abaixo dele,
observando grandiosidades
nos formatos triviais.

Mantendo o foco
perdido no horizonte,
enquanto me distraio,
não percebo que o mundo
gira em torno de mim
assim como giro
ao seu redor
também.

HOJE - VI

Eu penso no tempo,
no acaso de cada esquina
e se eu te ver amanhã
foi por ter pensado
na coincidência do cotidiano.

Não confio nas certezas,
nada é tão estático
ao ponto de ser certo.

Aqui, parado, observo aqueles
que têm um certo compromisso:
movimentar-se.

HOJE - V

Que
a noite guarde
o que vi
durante a tarde.

O sol por entre as nuvens
descansava calmamente.

As árvores
que passavam,
rapidamente,
tão parecidas.

As pessoas, calmas,
inquietas, parecidas,
iguais,
indiferentes,
desiguais.

HOJE - IV

Durante o passar do sol,
caminhei rápido
pelas sombras das calçadas.

Antes, a noite,
sob a lua,
meus passos ligeiros
procuravam a luz.

Depois inverto a ordem,
os sentidos, os passos,
os dedos, a roupa.

Só pra desacostumar.

HOJE - III

Hoje não estou,
ainda não cheguei.

Soletro as palavras
que vejo, mas não,
não entendo
as intenções
que estejam nelas.

E se existem intenções
como dizem por aí,
eu não consigo
entender o sub-texto.

Não, ainda não, cheguei,
hoje não, estou lá,
a compassar.

HOJE - II

Tenho que 'pré encher'
antes de começar
a ficar sem espaço
ou até mesmo
ter que me esvaziar.

Sigo pelas laterais
das estradas, ruas,
calçadas, salas, quartos,
cozinhas, quintais.

E, dependente,
da direção seguida
e do 'pré enchimento'
vou ou volto,
espalho ou, talvez,
desapareço.

HOJE - I

Em uma camisa desbotada,
deixei minha vaidade
passar
feito
minha péssima percepção
das estações do ano.

Na verdade,
consigo compreender
quando está quente
ou quando
o tempo esfria.

Assim, vai a idade
e se vestem as camisas
quanto está quente
ou frio.

AP 03 - XVI

Certo dia
li uma poesia
que falava sobre mim.

E, espantado,
não consegui perceber
que aquelas linhas
que escrevi
diziam, a você,
sobre mim.

Como também
não sei mais
se fui, sou ou estou sendo.
Logo
acreditar-se-á
que fui, apenas,
eu mesmo
no final.

AP 03 - XV

Perdi meu discernimento
no dia
em que escrevi
versos desalinhados
e
palavras
que rimam
apenas com
o
sentido.

Sentidos que perdi,
se foram.
Espero que ninguém
os encontrem
se eles estiverem, ainda,
por aí.

AP 03 - XIV

A fumaça vem e vai,
paira e, depois, rápida
se dissipa com o vento,
depois, não se enxerga mais.

Como o sol que queima
a minha pele
e a madrugada esfria
o meu rosto imóvel.

Verá, você, as variações
no fluxo do cotidiano,
e perceberá
que as mudanças
fazem parte da rotina
também.

AP 03 - XIII

Nestante
irei escrever uma poesia,
na qual
colocarei variações
de rimas e métricas.

Nesse instante
irei relaxar
e deixar fluir.

Colocar vários sentidos
em poucas frases.
Como se escrevesse
um parágrafo de prosa
para cada verso
e uma poesia
a cada palavra,
dita.

AP 03 - XII

Abri mão de
algumas modernidades;
respostas felizes;
um início legal
e da eternidade.

Inibido fico
e alguns de meus dedos,
(esticados)
me pedem
para encolhê-los
uma vez mais.

AP 03 - XI

Mudei esse novo verso
como os sons da cidade
se alternam entre
o dia e a noite.

As sílabas que,
em sua descontinuidade,
compreendem o silêncio,
o gozo, as escadas, o óbvio,
o próprio desandar.

E se atrasam.
E chegam cedo.
Talvez um meio termo
para mais ou menos,
pois, ele é um verso novo,
mudado.

AP 03 - X

Espero que a rádio
toque aquela música
da qual não sei o nome,
mas que sempre ouço
no mesmo horário.

Na freqüência,
aguardo o passar
(do tempo)
me acompanhar.

Sem sintonia, sem pudor,
sem destaque, sem vertigem,
sem opção nem razão,
ouso-me esperar,
apenas.

AP 03 - IX

Por trás de um verso
existe um universo,
totalmente inverso.

Certo, inversamente:
Errado, inverso, mente,
e a poesia só mente,
(ou não).
E o verso é do verbo ler,
ou do ver(só).


Tu parte em pedaços iguais,
mas, desigual, sempre parte,
para partir outra vez.

AP 03 - VIII

Ecos do sistema:
onde o ecossistema
dispersa e,
aos poucos,
não se ouve mais.

Ouve-se mais não,
onde,
aos poucos,
dispersa o ecossistema:
ecos do sistema.

Sistema do eco,
onde, dispersa,
aos poucos.

Aos poucos,
o sistema do eco.


AP 03 - VII

Não presto atenção,
porém,
olho para todos,
todos os lados.

Meus passos rápidos
não prestam atenção,
porém,
são rápidos mesmo assim.

Mesmo assim,
por todas as rápidas pegadas,
desatenciosas,
cruzo com a atenção
em um momento qualquer
de distração.

AP 03 - VI

Era só poeira.
E no meio do 'nada' o rio,
fecho os olhos.

Era só a estrada, o pó.
E no meio do 'nada' um lugar,
fecho os olhos.

Era só o cisco.
Nada no meio,
apenas os olhos.

AP 03 - V

Eu
perco o foco,
a fome,
o destino.
Vivo enfadado,
engarrafado.
Como percorrer
as mesmas ruas
da cidade
sem perceber
que elas são
sempre iguais,
desiguais.

AP 03 - IV

Estou em ostracismo,
como uma ostra
que, vivendo no mar,
prefere estar na praia.

Como versos,
de uma poesia ácida,
soando básico
aos nossos ouvidos.

Feito vento,
podendo voar lá fora,
vem até mim,
sentado no sofá da sala.

AP 03 - III

Choveu pouco agora a pouco
e do pouco, de agora,
está tudo molhado.
As músicas.
As palavras.
Os sentidos.

Agora, a pouco, choveu.
e então, o pouco, molhou.
Os tons.
As letras.
O corpo.

E daí se choveu?
E daí se molhou?
E daí se sinto frio?
E daí se a rádio
não toca a música
que gosto de ouvir?
E daí se me compram?
(eu gosto de me vender)



AP 03 - II

Li uma poesia
escrita em um papel sujo.

Num sujo papel
estava uma poesia que li.

Agora a poesia está em mim
e eu estou na poesia,
em um sujo papel
para ser lido também